terça-feira, 25 de outubro de 2016

Confissões do crematório e a boa morte



Eu admito que possuo uma das tatuagens mais clichês de todos os tempos, o bom e velho Carpe diem. Em minha defesa, ele vem seguido de uma frase um pouco mais original, mas com sentido parecido: Memento Mori. “Aproveite o dia. Lembre-se que você vai morrer”. Embora tenha sim havido uma febre por essa frase (e por todo esse conceito) há alguns poucos anos atrás, e eu ainda escute algumas piadinhas por conta dela nos dias de hoje, eu nunca cogitei realmente cobrir ou mudar essa tatuagem. A ideia de que vamos morrer, e por isso devemos aproveitar o dia, e a vida, sempre foi muito, muito clara pra mim.

Talvez devido ao grande número de animais de estimação na infância, a morte sempre me foi algo muito real, muito palpável. E sempre achei um tanto surpreendente o quanto as pessoas evitam tratar desse assunto, e se afastam das pessoas em luto como se elas estivessem contaminadas com algo altamente contagioso. Como se o luto pudesse passar de uma pessoa para outra pelo ar. Nascemos, crescemos e morremos. A morte não é o oposto da vida, mas uma parte importante dela. Só pode morrer o que está vivo, e tudo o que vive, em algum momento vai morrer. É a nossa única certeza, e surpreendentemente, uma das coisas menos pensadas, planejadas, e discutidas por nós.

"A morte deveria ser conhecida. Conhecida como um árduo processo mental, físico e emocional, respeitada e temida pelo que é."

Quando a Raquel (mais uma vez a pipoca criando a minha lista de leitura) fez o vídeo falando dos 5 motivos para ler Smoke gets in your eyes, eu fiquei muito interessada... mas o livro era em inglês, e meu inglês fraco somado à minha preguiça me impedem de ler em outras línguas que não o português. Mas, eis que a Darkside <3 lança uma edição maravilhosa, e eu finalmente fui mergulhar na prosa de Caitlin Doughty.

Confissões do crematório, nome da edição nacional, não é um romance. Caitlin, com apenas 23 anos, esperando espantar velhos fantasmas e resolver as suas questões fundamentais, sai à procura de empregos que lidem com a morte e acaba contratada por uma casa funerária que realiza cremação e embalsamamentos. Ao longo de 19 capítulos, ela nos conta suas histórias como agente funerária. Algumas tristes, outras inusitadas, mas todas interessantes, e intercala suas ideias com informações históricas e científicas. 

"Os seres humanos não são os favoritos da natureza. Somos apenas um de uma variedade de espécies nas quais a natureza exerce sua força de forma indiscriminada."

Traçando um caminho sobre como diferentes povos e culturas tratam seus mortos e realizam seus funerais, Caitlin nos mostra o quanto nos escondemos da morte, o quanto escondemos a morte. Desde as manobras hospitalares para esconder os cadáveres dos pacientes e acompanhantes ao redor, aos necrotérios no subsolo, dos velórios sem corpo presente às funerárias que realizam a coleta do corpo e a cremação, enviando posteriormente as cinzas para a família por correio, dispensando qualquer proximidade com o morto, Caitlin escancara como vivemos tentando fingir que a morte não existe. Como se não fosse ela que estivesse a nos esperar, no fim de toda e qualquer estrada que escolhamos.  

A ideia que permeia todo o livro é a de que precisamos encarar a morte. A nossa e a das pessoas ao nosso redor. Precisamos aceitar que ela faz parte de cada vida que existe na Terra. Só assim poderemos viver vidas plenas e felizes, pois é a morte torna a vida sagrada, e fingir que ela não existe, ou se rebelar quando ela se mostra indiferente aos nossos afetos e apelos vai apenas tornar a nossa existência angustiante. A morte espera por todos nós, e compreender e aceitar isso é o melhor caminho para viver uma vida bem vivida. 


 "Aceitar a morte não quer dizer que você não vai ficar arrasado quando alguém que você ama morrer. Quer dizer que você vai ser capaz de se concentrar na sua dor, sem o peso das questões existenciais maiores como 'Por que as pessoas morrem?' e 'Por que isso está acontecendo comigo?'. A morte não está acontecendo com você. Está acontecendo com todo mundo."

Nenhum comentário:

Postar um comentário