Eu admito que possuo uma das
tatuagens mais clichês de todos os tempos, o bom e velho Carpe diem. Em minha defesa, ele vem seguido de uma frase um pouco
mais original, mas com sentido parecido: Memento
Mori. “Aproveite o dia. Lembre-se que você vai morrer”. Embora tenha sim
havido uma febre por essa frase (e por todo esse conceito) há alguns poucos
anos atrás, e eu ainda escute algumas piadinhas por conta dela nos dias de
hoje, eu nunca cogitei realmente cobrir ou mudar essa tatuagem. A ideia de que
vamos morrer, e por isso devemos aproveitar o dia, e a vida, sempre foi muito,
muito clara pra mim.
Talvez devido ao grande número de
animais de estimação na infância, a morte sempre me foi algo muito real, muito
palpável. E sempre achei um tanto surpreendente o quanto as pessoas evitam
tratar desse assunto, e se afastam das pessoas em luto como se elas estivessem
contaminadas com algo altamente contagioso. Como se o luto pudesse passar de
uma pessoa para outra pelo ar. Nascemos, crescemos e morremos. A morte não é o
oposto da vida, mas uma parte importante dela. Só pode morrer o que está vivo,
e tudo o que vive, em algum momento vai morrer. É a nossa única certeza, e
surpreendentemente, uma das coisas menos pensadas, planejadas, e discutidas por
nós.
"A morte deveria ser conhecida. Conhecida como um árduo processo mental, físico e emocional, respeitada e temida pelo que é."
Quando a Raquel (mais uma vez a
pipoca criando a minha lista de leitura) fez o vídeo falando dos 5 motivos para
ler Smoke gets in your eyes, eu
fiquei muito interessada... mas o livro era em inglês, e meu inglês fraco somado
à minha preguiça me impedem de ler em outras línguas que não o português. Mas,
eis que a Darkside <3 lança uma edição maravilhosa, e eu finalmente fui
mergulhar na prosa de Caitlin Doughty.
Confissões do crematório, nome da edição nacional, não é um
romance. Caitlin, com apenas 23 anos, esperando espantar velhos fantasmas e
resolver as suas questões fundamentais, sai à procura de empregos que lidem com
a morte e acaba contratada por uma casa funerária que realiza cremação e
embalsamamentos. Ao longo de 19 capítulos, ela nos conta suas histórias como
agente funerária. Algumas tristes, outras inusitadas, mas todas interessantes,
e intercala suas ideias com informações históricas e científicas.
"Os seres humanos não são os favoritos da natureza. Somos apenas um de uma variedade de espécies nas quais a natureza exerce sua força de forma indiscriminada."
Traçando um caminho sobre como
diferentes povos e culturas tratam seus mortos e realizam seus funerais,
Caitlin nos mostra o quanto nos escondemos da morte, o quanto escondemos a morte. Desde as manobras hospitalares
para esconder os cadáveres dos pacientes e acompanhantes ao redor, aos
necrotérios no subsolo, dos velórios sem corpo presente às funerárias que
realizam a coleta do corpo e a cremação, enviando posteriormente as cinzas para
a família por correio, dispensando qualquer proximidade com o morto, Caitlin
escancara como vivemos tentando fingir que a morte não existe. Como se não
fosse ela que estivesse a nos esperar, no fim de toda e qualquer estrada que
escolhamos.
A ideia que permeia todo o livro
é a de que precisamos encarar a morte. A nossa e a das pessoas ao nosso redor.
Precisamos aceitar que ela faz parte de cada vida que existe na Terra. Só assim
poderemos viver vidas plenas e felizes, pois é a morte torna a vida sagrada, e
fingir que ela não existe, ou se rebelar quando ela se mostra indiferente aos
nossos afetos e apelos vai apenas tornar a nossa existência angustiante. A
morte espera por todos nós, e compreender e aceitar isso é o melhor caminho para viver
uma vida bem vivida.
"Aceitar a morte não quer dizer que você não vai ficar arrasado quando alguém que você ama morrer. Quer dizer que você vai ser capaz de se concentrar na sua dor, sem o peso das questões existenciais maiores como 'Por que as pessoas morrem?' e 'Por que isso está acontecendo comigo?'. A morte não está acontecendo com você. Está acontecendo com todo mundo."
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