segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Fábrica de vespas e os destinos não escritos



Como o hábito de ler histórias de terror e suspense é antigo, eu geralmente não levo à sério sinopses ou resenhas que definem um livro como chocante, ou perturbador. Porém, a leitura de Fábrica de vespas (Darkside, 2016; 240pgs.), conseguiu me deixar verdadeiramente abalada.
 
 
Narrado em primeira pessoa por um ‘psicopata em formação’, Iain Banks nos apresenta as peças do seu quebra-cabeça de maneira tão organizada, que quando percebemos já estamos completamente tomados pela bizarrice da história. Filho do meio de uma família absolutamente fora do normal, Frank Cauldhame é um adolescente que vive em uma ilha apenas com seu pai. A história começa no dia em que eles ficam sabendo que o irmão mais velho, Eric, conseguiu fugir do hospital psiquiátrico onde estava internado, e toda a trama se conduz com a aproximação de Eric da ilha.

É preciso grifar o quanto a família de Frank é incomum. Ao nos permitir, aos poucos conhecer os pedacinhos da história dos moradores da ilha e seus parentes mais próximos, bem como todos os rituais macabros realizados por Frank diariamente e as tantas maneiras que ele encontra para justificar estas ações, Iain nos torna quase cúmplices dos acontecimentos da história. Esse foi um livro que gerou polêmica na época do seu lançamento por seu conteúdo visceral. Imagino que muitos leitores podem simplesmente abandonar o livro logo nas primeiras páginas, pois Banks não nos poupa nem um pouco nas descrições das ações de Frank. E sendo quem é, Frank não se sente nem minimamente constrangido ao descrever seus atos presentes e passados. 
 

"Uma morte é sempre excitante, sempre faz com que você perceba o quão vivo e vulnerável está, mas quão sortudo é."

A sinopse compara o livro com Precisamos falar sobre o Kevin e com O senhor das moscas. Embora os temas sejam próximos, não espere uma leitura como a de um desses livros. Em Fábrica de vespas a narrativa em primeira pessoa pouco questiona ou condena os atos brutais do enredo. Raros são os personagens com quem conseguimos o mínimo de identificação. A família de Frank, como eu já disse, é absolutamente disfuncional. Já sabemos no começo da internação do seu irmão, e, com o passar das páginas vemos que seus primos, tios, pai e mãe não são muito mais confiáveis.

Acredito que, em suma, Fábrica de vespas é um livro sobre o poder. O controle que temos (ou que achamos ter) sobre nosso corpo e nossa vida. Uma história sobre como os nossos caminhos são imprevisíveis, e se alteram de maneira brutal a partir de mudanças tão sutis. 
 

"A fábrica é parte do padrão porque é parte da vida e - mais do que isso - parte da morte."

 A Fábrica de Vespas que dá nome ao título é o melhor exemplo da mente perturbada e, ainda assim, um tanto organizada e controladora de Frank. A maneira como ele vê a sua família e o mundo ao redor é sempre muito pragmática. É fantástico ver como a visão dele se adapta à grande revelação do livro. E a maneira como ele termina – ah, a maneira como ele termina! É um daqueles finais que vai te fazer questionar tudo o que leu, e dar vontade de ler tudo de novo para ter uma nova visão da história. 

"Nosso destino é o mesmo, no final, mas a viagem - em parte escolhida por nós, em parte não - é diferente para cada um e se altera enquanto crescemos."

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Jurassic Park e a ciência arrogante


Você com certeza já viu o filme. Um casal de paleontólogos, um matemático pessimista, um bilionário arrogante, duas crianças e muitos dinossauros. Jurassic Park foi, certamente um dos filmes mais legais que eu assisti na minha infância. A explicação científica, a clonagem dos dinossauros, tudo dando errado, o velocirraptors, o t-rex... O T-REX!!! Como eu vi e revi aquela cena milhares de vezes, e era divertido todas as vezes. 


"Entretenimento não tem nada a ver com a realidade. Entretenimento é a antítese da realidade."

Eu nunca imaginei que esse filme, tão presente na minha infância fosse baseado em um livro. De modo que quando vi a edição linda que a Aleph lançou, com lateral colorida, entrevista com o autor e um posfácio excelente escrito pelo Marcelo Hessel, eu imaginei que seria algo na linha do Alien, da mesma editora, uma novelização do roteiro. Lendo a sinopse, eu descobri que, na verdade, esse livro do Michel Crichton (e sua sequencia, O mundo perdido) serviram de inspiração para os filmes de Spilberg, e que o autor esteve diretamente envolvido na transformação do livro em roteiro de cinema.

O livro tem 525 páginas, e por mais que eu achasse o filme incrível, não conseguia imaginar como uma história de aventura, onde as imagens dos dinossauros gigantescos eram o grande chamativo do enredo, poderia se estender por tantas laudas. Mas, numa promoção feliz da Amazon, resolvi trazer o livro para casa.

E que surpresa maravilhosa. Enquanto o filme do Spilberg se concentra no seu enredo tradicional da importância da família, utilizando muitos recursos visuais, com um suspense constante, feras gigantescas e personagens que precisam aprender a valorizar seus entes queridos, o livro é uma grande crítica à como muitas vezes a ciência é feita atualmente. 

Dividido em 7 iterações (precisei ir buscar o termo no dicionário), o livro segue uma lógica ancorada no estudo da teoria do caos. Iterações são as repetições do padrão, que, na teoria do caos, geram consequências imprevisíveis, que se acumulam em eventos ainda mais imprevisíveis. O começo cria uma rede bem legal de acontecimentos, e me lembrou o início de histórias sobre zumbis, onde as pequenas pistas do que vai acontecer aparecem em diferentes locais e são desprezadas pelos especialistas próximos devido à sua improbabilidade.

"Porque a história da evolução é que a vida escapa a todas as barreiras. A vida se liberta. A vida se expande para novos territórios. Dolorosamente, talvez até perigosamente. Mas a vida encontra um jeito."
Quando a história começa e Ian Malcom, o matemático começa a falar sobre como a ilha está condenada desde o começo, por causa da teoria do caos, e Alan Grant começa a falar sobre o padrão de comportamento dos dinossauros, o livro fica irresistível. Você não precisa ser matemático ou biólogo para se deleitar com a leitura, mas, se for, certamente sua experiência será ainda melhor. 

Minha única crítica é sobre as personagens femininas. Pouca importância se dá a Ellen Sattler, paleobotânica. Sendo uma cientista especialista, era de se esperar que seu personagem tivesse mais participação na história. Além disso, a menina, Lex, ao contrário do filme, no livro é mais jovem e extremamente mimada, sendo basicamente um peso morto e irritante por toda a história, atrapalhando seu irmão que acaba sendo a criança que tem domínio tanto do conhecimento sobre dinossauros quando sobre os computadores. (Mudança excelente, Spilberg!)

Mais do que uma aventura de ficção científica, o livro de Crichton é uma crítica à arrogância da ciência que se intitula um dia capaz de responder à todas as perguntas. Ao poder que os cientistas atribuem a si próprios, tanto de criação quando de destruição. Aos pesquisadores que avançam tão rápido nas suas pesquisas, mas não param um pouco para observar com humildade o ambiente que estudam e o impacto que causam, e perceber que somos tão pequenos e que, talvez a Terra esconda segredos que jamais irá nos revelar.



" Todas as grandes mudanças são como a morte. Você não consegue enxergar o outro lado até estar lá"
 PS.: Lembrando que, caso vc tenha alguma edição velhinha, adquirida em sebo, ou herdada de alguém de algum livro que a Aleph relançou, pode enviar a sua edição velha para doação e ganhar 50% de desconto na compra de uma edição nova e maravilhosa. Só ir em http://www.totalrecallaleph.com.br/ para mais informações. =D

terça-feira, 20 de setembro de 2016

O demonologista e as histórias escondidas



Provavelmente o mais polêmico entre os romances da Darkside, o Demonologista (DarkSide, 2015; 328pgs.) ficou conhecido por gerar as mais diversas interpretações sobre sua história, e, especialmente, sobre o seu final.


"O medo - da morte, da perda, de ser abandonado - é a gênese da crença no sobrenatural"

Confesso que, embora tenha lido algumas tantas críticas negativas sobre ele, comprei por motivos de: livro de terror da Darkside. As edições da Darkside são tão caprichadas, que ainda que o livro seja péssimo, vale a pena ter na estante. E esse não foge à regra. A capa maravilhosa, com relevo localizado, a lombada “desgastada”, com um relevo que reproduz esse falso desgaste, as páginas, as ilustrações, a fitinha de marcar página, tudo isso compõe uma das edições mais lindas que eu tenho em casa. Mas as críticas me desanimaram, e o livro ficou 5 meses esperando chegar a sua vez.

E o veredito é que eu não deveria ter esperado tanto. Em muitas das críticas, as pessoas disseram que O demonologista lembrava demais os livros do Dan Brown, com uma versão do Robert Landon estudioso de Satã que precisa demonstrar toda a sua erudição para seguir uma série de pistas pelos pontos turísticos de alguma cidade maravilhosa. Mas não foi isso que eu vi nesse livro.

Para começar com as diferenças, os livros do Dan Brown tem um ritmo absolutamente frenético, toneladas de informações históricas, e pouca ou nenhuma atenção se dá ao psicológico dos personagens. Landon é um personagem sozinho, em que cada aventura segue seu roteiro com uma personagem que sempre é uma mulher que ele acabou de conhecer: bela, sexy, e que, convenientemente, completa o conhecimento que lhe falta. Sua motivação é simplesmente o pedido de ajuda de instituição qualquer que se encontra refém de algum gênio do mal. (Veja bem, apesar do que eu disse até aqui, eu realmente gosto muito dos livros do Brown. Só acho que os estilos são absurdamente diferentes).

E ai temos o professor David Ulmann. Um personagem que já começa te mostrando todos os problemas que circulam a sua vida. Um casamento em frangalhos, uma amiga doente, e uma depressão, com a qual ele lida por toda a sua vida. David tem laços, tem uma história, tem uma motivação, algo mais profundo e mais intenso que qualquer coisa que um mero telefonema da igreja católica poderia provocar.


Algumas resenhas se referem ao ritmo acelerado desse livro também, mas eu, particularmente, não achei o livro tão frenético assim. Concordo com a Raquel Moritz quando ela diz que o Andrew Pyper corta todas as cenas irrelevantes, como viagens e diálogos desnecessários, por exemplo, em prol de uma narrativa mais ágil. Mas o livro também tem cenas de calmaria, onde o estado psicológico dos personagens é descrito com atenção. Onde sofremos e nos angustiamos junto com David, onde conseguimos, por algumas páginas, nos colocarmos no seu lugar e termos a sensação do que é viver toda a vida com a sua melancolia.

Embora superficialmente O demonologista trate da história de um homem entre deus e o diabo, creio que na profundidade, seu objetivo é discutir a depressão, o luto, o sofrimento, as relações de amor e amizade, e como elas são essenciais na nossa vida, com sua ausência deixando o mundo sem cor. Ou cor de turquesa. Chorei rios nessa parte.

O demonologista mescla terror com drama de uma maneira magistral. E ainda nos presenteia com uma história que pode gerar tantas diferentes interpretações que é como se fossem muitos livros em um só. E isso é tão delicioso. Quando um autor consegue escrever uma história que contém tantas histórias diferentes em si. O final ambíguo permite que cada leitor tenha a sua própria interpretação. Esse foi um livro que eu gostei muito mais do que achei que iria gostar. Mais uma agradável surpresa da Darkside books. 

"A guerra contra o paraíso nunca foi travada no inferno, nem na Terra. O campo de batalha está em todas as mentes humanas."