segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O quarto e os livros que acabam com a gente.



Esse livro acabou comigo. Quem acompanhou as premiações do Oscar esse ano, deve ter ouvido falar de “O quarto de Jack”, filme inspirado no livro, que recebeu quatro indicações, incluindo a de melhor filme e levando o merecido prêmio de melhor atriz para Brie Larson. Se você ainda não viu o filme, eu, surpreendentemente, recomendo que veja o filme sem saber nada da história, e depois leia o livro. A experiência será bem mais interessante. Mas pra quem já sabe o enredo, ou já viu o filme, vamos lá.

 

O quarto (Vênus, 2011; 350pgs.) conta, através do ponto de vista de Jack, um menino de cinco anos, o seu dia a dia com a sua mãe em seu mundo particular. E esse mundo se resume a um quarto. Em um pequeno espaço, sem janelas, e com uma porta constantemente fechada, onde estão quase empilhados banheira, fogão, televisão, geladeira, guarda-roupa e cama, ele e Mãe (nunca nomeada no livro) passam seus dias realizando mil pequenas atividades, divertidas aos olhos de Jack, mas que fazem o leitor sofrer junto com ela. Ao final de cada dia, Jack é colocado em segurança dentro do guarda-roupa para que nunca presencie as visitas do velho Nick, que vem quase todas as noites buscar o lixo, trazer comida e ‘fazer a cama ranger’.
Enquanto vemos o cativeiro pelos olhos de Jack, percebemos o quanto sua mãe o poupou da realidade em que ele vive. Jack acredita que todo o mundo se resume ao Quarto. Que o Velho Nick vem do Espaço Sideral, e que tudo que ele vê na TV são outros planetas. Sua vida no quarto é divertida, interessante e instigante. Mas, ao completar cinco anos e fazer cada vez mais perguntas, a Mãe começa a contar para ele, aos poucos, a verdadeira história (e nesse ponto, eu achei a maneira como isso acontece no livro bem melhor que o filme), e junto com Jack percebemos todo o horror da sua situação. 
Há 7 anos a Mãe está confinada no Quarto... mas agora que Jack conhece a sua própria história, chega a hora dos dois colocarem um plano em prática. As chances de dar errado são altas, quase tudo depende de Jack, e é a única chance que eles tem. Mas sair do Quarto pode não ser tão difícil quanto superar o Quarto.
Certamente, a narrativa é o principal diferencial dessa obra. Ouvir apenas os pensamentos e opiniões de Jack sobre a Mãe, o Quarto e o Lá Fora é, ao mesmo tempo angustiante e encantador. A sua inocência e ingenuidade na forma de interpretar o mundo nos fazem questionar A  a nossa futilidade diária e do que realmente precisamos para viver. 
Além disso, a Mãe é uma personagem fascinante. Dentro de um dos piores cenários possíveis para uma mulher, ela consegue fazer o inimaginável, e criar um mundo agradável e fascinante para Jack, que tem um enorme carinho e respeito pelo Quarto e tudo que há dentro dele. 
Embora seja um livro tendo um sequestro como tema principal, as investigações, prisão, discussão ‘do que leva alguém a fazer uma monstruosidade dessas’ não é o foco do livro. A autora está mais preocupada em trabalhar as consequências desse crime hediondo. Como uma criança que viveu 5 anos inteiros confinada em um espaço tão pequeno vai conseguir lidar com o mundo exterior, pessoas, sons, luz, etc. Como uma jovem raptada que fez do seu filho gerado pelos constantes abusos a salvação da sua sanidade durante todos aqueles anos vai lidar com todo o assédio que sempre acomete as vítimas de crimes famosos? É possível lidar com o Lá Fora?



Essa foi uma leitura rápida, em que eu devorei o livro em menos de 3 dias. É daqueles que quando começamos a ler, somos fisgados e não conseguimos nunca largar até chegar ao fim. E quando chegamos ao fim, ficamos tristes por ter terminado tão rápido. A escrita de Emma Donoghue é maravilhosa, envolvente e quase te faz ouvir a voz do pequeno Jack falando e falando sobre sua vida. Foi a autora que adaptou o roteiro para o filme, e talvez por isso o resultado tenha sido tão bom. Embora algumas coisas não tenham sido trabalhadas no filme com a mesma profundidade do livro (como sempre acontece), tanto o livro como o filme são absolutamente sensacionais. Recomendo os dois. 

"No mundo, eu noto que as pessoas vivem quase sempre tensas e não têm tempo. Até a Vovó sempre diz isso, mas ela e o Vopô (sic.) não têm emprego, então eu não sei como as pessoas empregadas fazem o trabalho e toda a vida também. No Quarto, eu e a Mãe tínhamos tempo para tudo. Acho que o tempo é espalhado muito fino em cima do mundo todo, feito manteiga, nas ruas e nas casas e nas pracinhas e nas lojas, por isso só tem um tiquinho de tempo espalhado em cada lugar, e aí todo mundo tem que correr pro pedaço seguinte"

Nenhum comentário:

Postar um comentário