Esse livro acabou comigo. Quem
acompanhou as premiações do Oscar esse ano, deve ter ouvido falar de “O quarto
de Jack”, filme inspirado no livro, que recebeu quatro indicações, incluindo a
de melhor filme e levando o merecido prêmio de melhor atriz para Brie Larson. Se você ainda não viu o filme, eu, surpreendentemente,
recomendo que veja o filme sem saber nada da história, e depois leia o livro. A
experiência será bem mais interessante. Mas pra quem já sabe o enredo, ou já
viu o filme, vamos lá.
O quarto (Vênus, 2011; 350pgs.) conta, através do ponto de
vista de Jack, um menino de cinco anos, o seu dia a dia com a sua mãe em seu
mundo particular. E esse mundo se resume a um quarto. Em um pequeno espaço, sem
janelas, e com uma porta constantemente fechada, onde estão quase empilhados banheira,
fogão, televisão, geladeira, guarda-roupa e cama, ele e Mãe (nunca nomeada no
livro) passam seus dias realizando mil pequenas atividades, divertidas aos
olhos de Jack, mas que fazem o leitor sofrer junto com ela. Ao final de cada
dia, Jack é colocado em segurança dentro do guarda-roupa para que nunca
presencie as visitas do velho Nick, que vem quase todas as noites buscar o
lixo, trazer comida e ‘fazer a cama
ranger’.
Enquanto
vemos o cativeiro pelos olhos de Jack, percebemos o quanto sua mãe o poupou da
realidade em que ele vive. Jack acredita que todo o mundo se resume ao Quarto.
Que o Velho Nick vem do Espaço Sideral, e que tudo que ele vê na TV são outros
planetas. Sua vida no quarto é divertida, interessante e instigante. Mas, ao completar
cinco anos e fazer cada vez mais perguntas, a Mãe começa a contar para ele, aos
poucos, a verdadeira história (e nesse ponto, eu achei a maneira como isso
acontece no livro bem melhor que o filme), e junto com Jack percebemos todo o
horror da sua situação.
Há 7 anos a
Mãe está confinada no Quarto... mas agora que Jack conhece a sua própria
história, chega a hora dos dois colocarem um plano em prática. As chances de
dar errado são altas, quase tudo depende de Jack, e é a única chance que eles
tem. Mas sair do Quarto pode não ser tão difícil quanto superar o Quarto.
Certamente,
a narrativa é o principal diferencial dessa obra. Ouvir apenas os pensamentos e
opiniões de Jack sobre a Mãe, o Quarto e o Lá Fora é, ao mesmo tempo
angustiante e encantador. A sua inocência e ingenuidade na forma de interpretar
o mundo nos fazem questionar A a nossa
futilidade diária e do que realmente precisamos para viver.
Além disso,
a Mãe é uma personagem fascinante. Dentro de um dos piores cenários possíveis
para uma mulher, ela consegue fazer o inimaginável, e criar um mundo agradável
e fascinante para Jack, que tem um enorme carinho e respeito pelo Quarto e tudo
que há dentro dele.
Embora seja
um livro tendo um sequestro como tema principal, as investigações, prisão,
discussão ‘do que leva alguém a fazer uma monstruosidade dessas’ não é o foco
do livro. A autora está mais preocupada em trabalhar as consequências desse
crime hediondo. Como uma criança que viveu 5 anos inteiros confinada em um
espaço tão pequeno vai conseguir lidar com o mundo exterior, pessoas, sons,
luz, etc. Como uma jovem raptada que fez do seu filho gerado pelos constantes
abusos a salvação da sua sanidade durante todos aqueles anos vai lidar com todo
o assédio que sempre acomete as vítimas de crimes famosos? É possível lidar com
o Lá Fora?
Essa foi uma
leitura rápida, em que eu devorei o livro em menos de 3 dias. É daqueles que
quando começamos a ler, somos fisgados e não conseguimos nunca largar até
chegar ao fim. E quando chegamos ao fim, ficamos tristes por ter terminado tão
rápido. A escrita de Emma Donoghue é maravilhosa, envolvente e quase te faz ouvir a voz
do pequeno Jack falando e falando sobre sua vida. Foi a autora que adaptou o
roteiro para o filme, e talvez por isso o resultado tenha sido tão bom. Embora
algumas coisas não tenham sido trabalhadas no filme com a mesma profundidade do
livro (como sempre acontece), tanto o livro como o filme são absolutamente
sensacionais. Recomendo os dois.
"No
mundo, eu noto que as pessoas vivem quase sempre tensas e não têm
tempo. Até a Vovó sempre diz isso, mas ela e o Vopô (sic.) não têm emprego,
então eu não sei como as pessoas empregadas fazem o trabalho e toda a
vida também. No Quarto, eu e a Mãe tínhamos tempo para tudo. Acho que o
tempo é espalhado muito fino em cima do mundo todo, feito manteiga, nas
ruas e nas casas e nas pracinhas e nas lojas, por isso só tem um
tiquinho de tempo espalhado em cada lugar, e aí todo mundo tem que
correr pro pedaço seguinte"
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