Não tem jeito melhor de começar o
mês de outubro do que com uma resenha do mestre, do rei, do maravilhoso Stephen
King.
Nunca, nunca li um livro dele que eu não tenha gostado (ainda que não tenha lido nem metade) e embora seja um
objetivo um tanto quanto pretensioso, ainda gostaria de conseguir um dia ler
todos os livros dele. Parafraseando o Jonh Green, eu leria até a lista de
compras do Stephen King.
O iluminado é uma daquelas histórias que praticamente todo mundo
conhece. Famoso principalmente devido ao filme de Kubric com Jack Nicholson no
papel principal, esse livro é um dos mais conhecidos. Eu já tinha visto o filme
(mais de uma vez), mas ler O iluminado foi uma experiência muito diferente. O
King já falou algumas vezes que não gostou da adaptação, e eu finalmente
entendi porquê. Para os poucos que não conhecem a história, o livro gira em
torno de uma família que vai passar o inverno em um hotel. Jack Torrance, o
pai, é contratado como zelador enquanto as estradas ficam fechadas devido à
neve, e espera usar o tempo livre e isolamento para se livrar dos seus
problemas com a bebida, e finalmente terminar de escrever uma peça em que ele
trabalha há tempos. O filho, Danny, é uma criança especial, iluminada. Ele
consegue perceber coisas que ninguém mais percebe, ouvir e ver muito além do
que as pessoas à sua volta. Mas o velho hotel Overlook tem segredos e feridas
antigas, que a iluminação de Danny pode acordar e revelar.
Eu sempre achei que, embora King
seja conhecido como o mestre do terror, suas histórias são muito mais do que
isso. Seus personagens são complexos, tridimensionais, com defeitos e qualidades
extremamente reais. O terror, o sobrenatural, o horror é apenas o caminho que
ele usa para nos mostrar a importância de outras coisas. E O iluminado não
seria diferente. Observar a influência cada vez maior do hotel em Jack, que
está se esforçando para ser um pai e marido melhor, seu drama pessoal na luta
contra a loucura e o alcoolismo, em uma batalha solitária, sem ajuda
profissional, ou mesmo apoio familiar, leva a um desenrolar ao mesmo tempo
assustador e triste. O livro narra uma tragédia enquanto nos conta uma história
de terror, e toda essa humanidade está ausente do filme. É difícil se
identificar com os personagens do filme, enquanto os do livro são
desconfortavelmente palpáveis.
"Cicatrizes velhas algum dia param de doer?" (O iluminado, pg. 164)
36 anos depois, King resolve nos
contar o que aconteceu a Danny, o garotinho iluminado e traumatizado pelos
eventos perturbadores que vivenciou no Overlook quando tinha apenas 5 anos. (E,
sim, a sinopse de Doutor Sono acaba sendo um super spoiler de O iluminado. Mas quase
todo mundo conhece a história, certo?) Danny agora é um homem de meia idade que
enfrenta sua própria batalha contra o alcoolismo. Seu caminho se cruza com o de
Abra, uma menina de 12 anos com o maior poder de iluminação que já se viu. Ambos
precisarão se juntar para protegê-la do Verdadeiro Nó, idosos simpáticos que
cruzam o país em trailer há séculos, e mantém sua imortalidade ao aspirar a
essência exalada de crianças iluminadas quando torturadas lentamente até a
morte. Só mesmo Stephen King para imaginar um enredo desse.
Citando a nota escrita por King
em Doutor Sono, “nada pode se comprar à memória de um bom susto.” É claro que
Doutor Sono nunca conseguirá causar o mesmo impacto que O iluminado. Ler os
dois livros são experiências muito diferentes. O iluminado é, na minha opinião,
um livro verdadeiramente assustador. Daqueles que te faz espiar em volta com
medo durante a leitura. Doutor Sono não me deixou assustada. Mas, como eu
disse, não acho que esse é o mote principal dos seus livros. Eu gostei dos
personagens, adorei a história, e mais, do que tudo, Doutor Sono me fez ver O
iluminado ainda mais como uma história trágica. Ambos os livros têm como
protagonistas personagens alcoólatras. Mas, enquanto um deles tenta se livrar
do seu vício sozinho, o outro procura o AA. E isso muda todo o desenrolar da
trama. A busca por ajuda, a presença dos amigos, os laços afetivos são
essenciais para o combate às forças sobrenaturais. Só com ajuda conseguimos
vencer as nossas batalhas.
Além disso, outra coisa me deixou
melancólica em Doutor Sono. Achei a personagem da Abra tão parecida com a
Carrie, nos seus poderes, e tão diferente na sua família. O que nos leva à resenha
de Carrie, e como a ausência do apoio familiar nos deixa vulneráveis. Mas essa
é uma próxima postagem.
"Mas o tempo mudava. Algo que só bêbados e viciados compreendiam. Quando não se consegue dormir, quando se tem medo do que vai encontrar ao olhar em volta, o tempo se alonga e cria dentes afiados." (Doutor Sono, pg.77)
Eu adorei os dois livros, cada um de uma maneira particular. Achei incrível como o King consegue (re)criar a personalidade do Dan (adulto), extremamente complexa, forte e mantendo alguns traços bem sutis do Danny (criança).
ResponderExcluirAdorei sua resenha, Coral! ;**
Sim, sim! É muito legal como conseguimos vislumbrar o Danny criança no Danny adulto do Doutor Sono. Stephen King arrasa, né? Obrigada pelo comentário! =**
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