domingo, 2 de outubro de 2016

O iluminado, Doutor Sono e o mês do Stephen King



Não tem jeito melhor de começar o mês de outubro do que com uma resenha do mestre, do rei, do maravilhoso Stephen King. Nunca, nunca li um livro dele que eu não tenha gostado (ainda que não tenha lido nem metade) e embora seja um objetivo um tanto quanto pretensioso, ainda gostaria de conseguir um dia ler todos os livros dele. Parafraseando o Jonh Green, eu leria até a lista de compras do Stephen King.
 

 Aproveitando que a Mayra Sigwalt, do All about that book, convidou todo mundo para um projeto de leitura de livros do King, o All about King, resolvi focar nas leituras dele esse mês. Então, vamos começar com uma resenha dois em um. O iluminado (1977, Suma das letras; 463 pgs.), um dos mais famosos livros do King e Doutor Sono (2013, Suma das letras; 475 pgs.), a polêmica continuação publicada mais de 30 anos depois do começo da história.

O iluminado é uma daquelas histórias que praticamente todo mundo conhece. Famoso principalmente devido ao filme de Kubric com Jack Nicholson no papel principal, esse livro é um dos mais conhecidos. Eu já tinha visto o filme (mais de uma vez), mas ler O iluminado foi uma experiência muito diferente. O King já falou algumas vezes que não gostou da adaptação, e eu finalmente entendi porquê. Para os poucos que não conhecem a história, o livro gira em torno de uma família que vai passar o inverno em um hotel. Jack Torrance, o pai, é contratado como zelador enquanto as estradas ficam fechadas devido à neve, e espera usar o tempo livre e isolamento para se livrar dos seus problemas com a bebida, e finalmente terminar de escrever uma peça em que ele trabalha há tempos. O filho, Danny, é uma criança especial, iluminada. Ele consegue perceber coisas que ninguém mais percebe, ouvir e ver muito além do que as pessoas à sua volta. Mas o velho hotel Overlook tem segredos e feridas antigas, que a iluminação de Danny pode acordar e revelar. 

Eu sempre achei que, embora King seja conhecido como o mestre do terror, suas histórias são muito mais do que isso. Seus personagens são complexos, tridimensionais, com defeitos e qualidades extremamente reais. O terror, o sobrenatural, o horror é apenas o caminho que ele usa para nos mostrar a importância de outras coisas. E O iluminado não seria diferente. Observar a influência cada vez maior do hotel em Jack, que está se esforçando para ser um pai e marido melhor, seu drama pessoal na luta contra a loucura e o alcoolismo, em uma batalha solitária, sem ajuda profissional, ou mesmo apoio familiar, leva a um desenrolar ao mesmo tempo assustador e triste. O livro narra uma tragédia enquanto nos conta uma história de terror, e toda essa humanidade está ausente do filme. É difícil se identificar com os personagens do filme, enquanto os do livro são desconfortavelmente palpáveis.
"Cicatrizes velhas algum dia param de doer?" (O iluminado, pg. 164)
 
36 anos depois, King resolve nos contar o que aconteceu a Danny, o garotinho iluminado e traumatizado pelos eventos perturbadores que vivenciou no Overlook quando tinha apenas 5 anos. (E, sim, a sinopse de Doutor Sono acaba sendo um super spoiler de O iluminado. Mas quase todo mundo conhece a história, certo?) Danny agora é um homem de meia idade que enfrenta sua própria batalha contra o alcoolismo. Seu caminho se cruza com o de Abra, uma menina de 12 anos com o maior poder de iluminação que já se viu. Ambos precisarão se juntar para protegê-la do Verdadeiro Nó, idosos simpáticos que cruzam o país em trailer há séculos, e mantém sua imortalidade ao aspirar a essência exalada de crianças iluminadas quando torturadas lentamente até a morte. Só mesmo Stephen King para imaginar um enredo desse.

Citando a nota escrita por King em Doutor Sono, “nada pode se comprar à memória de um bom susto.” É claro que Doutor Sono nunca conseguirá causar o mesmo impacto que O iluminado. Ler os dois livros são experiências muito diferentes. O iluminado é, na minha opinião, um livro verdadeiramente assustador. Daqueles que te faz espiar em volta com medo durante a leitura. Doutor Sono não me deixou assustada. Mas, como eu disse, não acho que esse é o mote principal dos seus livros. Eu gostei dos personagens, adorei a história, e mais, do que tudo, Doutor Sono me fez ver O iluminado ainda mais como uma história trágica. Ambos os livros têm como protagonistas personagens alcoólatras. Mas, enquanto um deles tenta se livrar do seu vício sozinho, o outro procura o AA. E isso muda todo o desenrolar da trama. A busca por ajuda, a presença dos amigos, os laços afetivos são essenciais para o combate às forças sobrenaturais. Só com ajuda conseguimos vencer as nossas batalhas.

Além disso, outra coisa me deixou melancólica em Doutor Sono. Achei a personagem da Abra tão parecida com a Carrie, nos seus poderes, e tão diferente na sua família. O que nos leva à resenha de Carrie, e como a ausência do apoio familiar nos deixa vulneráveis. Mas essa é uma próxima postagem.


"Mas o tempo mudava. Algo que só bêbados e viciados compreendiam. Quando não se consegue dormir,  quando se tem medo do que vai encontrar ao olhar em volta, o tempo se alonga e cria dentes afiados." (Doutor Sono, pg.77)

2 comentários:

  1. Eu adorei os dois livros, cada um de uma maneira particular. Achei incrível como o King consegue (re)criar a personalidade do Dan (adulto), extremamente complexa, forte e mantendo alguns traços bem sutis do Danny (criança).
    Adorei sua resenha, Coral! ;**

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    1. Sim, sim! É muito legal como conseguimos vislumbrar o Danny criança no Danny adulto do Doutor Sono. Stephen King arrasa, né? Obrigada pelo comentário! =**

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